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Edición N° 38 - junio 2005

POLÍTICA SOCIAL E PREÇO DA FORÇA DE TRABALHO *

Por:
Ednéia Maria Machado
* (Datos sobre la autora)


A política social incide sobre o preço da força de trabalho. Ao fazermos tal afirmação estamos priorizando uma dimensão fundamental da política social que, ao objetivar a gestão e o controle da classe trabalhadora, exerce essa gestão e esse controle através, também, de determinações legais - diretas e indiretas – sobre o preço da força de trabalho.
Se, no conjunto de sua funcionalidade ao modo capitalista de produção as medidas de política social são apresentadas como ajuda, como benefícios sociais, como solidariedade, como preocupação do Estado com as desigualdades sociais – estas representam expressões ideológicas da política social que a descolam de sua base real de existência: a contradição entre a forma social da produção e a apropriação privada do produto social, que funda o modo capitalista de produção.
Debater a política social como uma política que incide no preço da força de trabalho é um dos caminhos possíveis de “desideologizar” a política social, e ter no preço da força de trabalho um paradigma de análise e avaliação da mesma.

Marx afirma: “...fizeram baixar os salários dos trabalhadores do campo para além daquele mínimo estritamente físico, completando a diferença indispensável para assegurar a perpetuação física da raça mediante às leis dos pobres” (Marx, 1978, p. 96).

É importante realizarmos uma leitura desta afirmação relacionando-a ao momento histórico contemporâneo; em outras palavras, procedermos a uma atualização dessa conclusão marxiana.

Em primeiro lugar temos a referência ao preço da força de trabalho, e sabemos que, sob o modo capitalista de produção, a tendência geral é a transformação de todas as coisas, objetos, serviços 2 e força de trabalho em mercadorias.

As mercadorias contêm, de forma integrada, o valor de uso e o valor de troca, sendo que é no processo de troca de mercadorias que se viabiliza a valorização do capital. No processo de produção e circulação, os produtos adquirem diferentes funções, dependendo de se apresentarem como valores de uso ou como valores de troca:“Uma coisa pode ser útil e o produto do trabalho humano, sem ser mercadoria. Quem com seu produto satisfaz a própria necessidade gera valor de uso, mas não mercadoria. Para criar mercadoria é mister não se produzir valor de uso, mas produzi-lo para outros, dar origem ao valor de uso social” (Rubin, 1987, p. 47/49).

Isso significa que a mercadoria tem características específicas. Ela é sempre o produto do trabalho, mas um produto ao qual é possível atribuir um valor, e é, também, um produto de troca. Ao originar o valor de uso social, como refere Rubin, o que ele atende é uma necessidade social. E a força de trabalho, também, se constitui em uma mercadoria ao entrar no processo de compra e venda:“O capitalista, o trabalhador assalariado e o proprietário de terras são possuidores de mercadorias, formalmente independentes um do outro. As relações de produção diretas entre eles ainda tem de ser estabelecidas na forma que é usual aos possuidores de mercadorias, na forma de compra e venda”(Rubin, 1987, p. 33).

Portanto, a força de trabalho se transforma em mercadoria quando o seu possuidor – o trabalhador – a coloca no mercado para venda, mas ela só se realiza como tal quando é comprada e se objetiva em produtos. A venda da força de trabalho a transforma em valor de uso para o comprador – o capitalista:“Ao comprador da mercadoria pertence a utilização da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho dá, de fato, apenas o valor de uso que vendeu ao dar seu trabalho” (Marx, 1983, p. 154).

É assim que a produção de mercadorias exige que exista infra-estrutura para esta produção – infra-estrutura que vai desde maquinários de propriedade individual, até condições claramente coletivas ou públicas. Exige, ainda, força de trabalho disponível, bem como a existência de um mercado consumidor, ainda que o mercado consumidor não se constitua em precondição para a produção de mercadorias. Prova disto é que a produção de mercadorias não tem relação direta com o seu valor de uso 3 , mas sim com o seu valor de troca:“...sistema baseado no valor de troca que só funciona no interesse do lucro e considera irrelevantes os valores de uso específicos das mercadorias que produz” (Mandel, 1982, p. 16).

Como o capital é uma relação de produção, cujo valor se expressa em mercadorias:“A célula econômica da sociedade burguesa é a forma de mercadoria, que reveste o produto do trabalho, ou a forma de valor assumida pela mercadoria” (Marx, 1982, p. 4).

E, como é a troca de mercadorias que possibilita a acumulação do capital, na sociedade capitalista tudo, portanto, é transformado em mercadoria passível de a tudo ser atribuído um valor de troca. A força de trabalho não foge a esta lei, e ela representa a mercadoria fundamental para que o capitalismo possa se ampliar e se reproduzir:“A forma de exploração tipicamente capitalista define-se pela universalização da produção de mercadorias – o que, naturalmente, envolve a transformação da força de trabalho em mercadoria e dos meios de produção em capital”(Mandel, 1982, p. 369).

Pode-se afirmar que é toda força de trabalho disponível que se constitui em peça fundamental para a reprodução do capital. Ou seja, tanto a parcela da população inserida no mercado de trabalho – formal ou informal – quanto a parcela da população que para sobreviver, também, só tem como mercadoria a sua força de trabalho para vender, embora não encontre mercado comprador, constituem a fonte de lucros para os capitalistas.

Para que o capitalista possa, cada vez mais, aumentar a sua taxa de lucros, é necessário que a produção possa se realizar ao menor custo possível e a mercadoria produzida possa ser trocada pelo maior preço possível. Como a força de trabalho é uma mercadoria, necessário se faz comprá-la ao menor custo possível com o máximo de produção:“O desenvolvimento da produtividade do trabalho na produção capitalista tem por objetivo reduzir a parte do dia de trabalho durante a qual o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para ampliar a outra parte durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o capitalista” (Marx, 1982, p. 369).

Assim, não remunerando a força de trabalho de acordo com o valor por ela produzido, o capitalista se apropria de parte do trabalho não-pago – a mais valia – que, para o capitalista, significa ampliar suas possibilidades de lucro.

Para que a mercadoria “força de trabalho” seja vendida a baixo custo, é necessária a existência de uma força de trabalho disponível, um exército industrial de reserva, que funciona como mecanismo de pressão sobre os trabalhadores empregados:“...Uma população trabalhadora excedente é o produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa. Ela proporciona às sua mutáveis necessidades de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do verdadeiro acréscimo populacional” (Marx, 1982, p. 156).

O desemprego, portanto, também tem sua funcionalidade para garantir a exploração da força de trabalho:“O capital procurará, então, ampliar o volume de desemprego de tal maneira que essa mediação prevaleça apesar de tudo – isto é, tentará minar a solidariedade de classe entre os trabalhadores empregados e desempregados em tal medida que o desemprego maciço virá debilitar, em última análise, a capacidade de luta dos assalariados organizados ainda empregados” (Mandel, 1982, p. 107).

Neste sentido, compete aos capitalistas adequar a absorção da força de trabalho dentro das condições necessárias à valorização do capital. Para que tal se efetive, os capitalistas exploram a força de trabalho independentemente de limites territoriais.

As relações entre os diversos Estados possibilitam que os capitalistas escolham os Estados onde será possível, através de maior exploração da força de trabalho, produzir mais a menor custo.

Os diferentes estágios de desenvolvimento do capital, nos diferentes Estados, também possibilitam a dominação dos Estados mais desenvolvidos sobre os menos desenvolvidos, criando, assim, a possibilidade de exploração capitalista de uns Estados sobre os outros, na defesa, evidentemente, dos interesses capitalistas dos Estados mais desenvolvidos.

Portanto, a produção e a reprodução da força de trabalho, considerando sua característica básica de mercadoria no sistema capitalista, também obedece à lógica da acumulação do capital: uma mercadoria a ser trocada por um baixo preço, ou seja, a um custo abaixo do seu valor, mas que é incorporado à mercadoria produzida pelo trabalhador e, assim, possibilitando ao capitalista se apropriar do novo valor criado.

Em segundo lugar, Marx nos chama a atenção para a redução dos salários dos trabalhadores, ou seja, para o salário como preço da força de trabalho.

O trabalhador não pode colocar à venda o seu trabalho sem, ao mesmo tempo, se colocar à disposição para a realização do trabalho vendido. Ao colocar no mercado o seu trabalho para a venda, o que ele efetivamente coloca é a venda da sua força de trabalho:“...O que se defronta diretamente ao possuidor de dinheiro, no mercado, não é de fato o trabalho, mas o trabalhador. O que este último vende é sua força de trabalho. Tão logo seu trabalho realmente comece este já deixou de pertencer-lhe e portanto não pode mais ser vendido por ele” (Marx, 1982, p.128).

Ao estabelecer um contrato com o comprador de sua força de trabalho, o trabalhador coloca parte de sua vida à disposição deste comprador – o capitalista. Ou seja, determina-se que durante um número específico de horas, o trabalhador – força de trabalho – permanecerá realizando atividades que se convertam em produtos, em mercadorias de única e exclusiva propriedade do capitalista.

O trabalhador é, portanto, propriedade do capitalista durante uma determinada jornada de trabalho, assim como o produto do seu trabalho também é propriedade do capitalista. Os direitos do trabalhador são os de entregar sua força de trabalho, e a totalidade da produção realizada durante a sua jornada de trabalho, ao capitalista.

Pelo contrato estabelecido com o capitalista o trabalhador deve, primeiro, realizar o trabalho que se objetiva numa mercadoria e, por este trabalho realizado, o trabalhador recebe, como valor do trabalho, o salário. Aparentemente, portanto, o salário é o valor do trabalho – é a remuneração justa pelo trabalho realizado, mas, na essência:“É uma parte do produto produzido continuamente pelo próprio trabalhador, que reflui constantemente para ele, na forma de salário. [...] A classe capitalista dá constantemente à classe trabalhadora sob forma monetária títulos sobre parte do produto produzido por esta e apropriado por aquela” (Marx, 1982, p. 154).

O salário, então, não é o valor do trabalho, é o preço do trabalho. E o salário pago ao trabalhador deve servir para sua sobrevivência, à sobrevivência de sua família, e à recomposição e reprodução de sua força de trabalho, portanto, “O valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho” (Marx, 1978, p. 82).

Os artigos de primeira necessidade são aqueles que mantêm o trabalhador enquanto trabalhador, ou seja, que o mantém dependente do capitalista para a sua sobrevivência – a sobrevivência do trabalhador como trabalhador e a sobrevivência do capitalista como capitalista.

Temos, então, que o salário deve ter seu preço determinado de tal forma que possa manter a vida física do trabalhador nas condições exigidas pelo mercado para produção, mas com padrões mínimos, históricos e sociais, particularizados em cada sociedade:“Seu limite mínimo é determinado pelo elemento físico, quer dizer – para poder manter-se e se reproduzir, para perpetuar a existência física, a classe operária precisa obter artigos de primeira necessidade, absolutamente indispensáveis à vida e à sua multiplicação.
O valor destes meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite mínimo do valor do trabalho.

Por outra parte, a extensão da jornada de trabalho também tem seus limites máximos, se bem que sejam muito elásticos. Seu limite máximo é dado pela força física do trabalhador. Se o esgotamento diário de suas energias vitais excede de um certo grau, ele não poderá fornecê-las outra vez, todos os dias. Mas, como dizia, esse limite é muito elástico. Uma sucessão rápida de gerações raquíticas e de vida curta, manterá abastecido o mercado de trabalho tão bem como uma série de gerações robustas e de vida longa. Além deste mero elemento físico, na determinação do valor do trabalho entra o padrão de vida tradicional em cada país.
Não se trata somente da vida física, mas também da satisfação de certas necessidades que emanam das condições sociais em que vivem e se criam os homens. Este elemento histórico ou social que entra no valor do trabalho pode acentuar-se, ou debilitar-se e, até mesmo, extinguir-se de todo, de tal modo que só fique de pé o limite físico”
(Marx, 1987, p. 95).

Sintetizando o raciocínio até aqui exposto e que, reconhecidamente nada acrescenta às conclusões marxianas sobre a mercadoria “força de trabalho” e o preço desta mercadoria, temos a ressaltar que no preço da mercadoria “força de trabalho” incidem aspectos sociais, econômicos, culturais, morais e políticos. Ou seja, no preço da força de trabalho também está representada a história dos homens. O preço da força de trabalho também é produto de lutas políticas, de desenvolvimento científicos e culturais; de tradições; de anseios e desejos individuais e coletivos.

Daí é que se, aparentemente, o salário se apresenta como o preço da força de trabalho, há que se considerar que o salário deve ser, mesmo dentro das concepções capitalistas burguesas, suficiente para a manutenção do trabalhador e de sua família.

A moderna “lei dos pobres”

Mas, retornando ao início deste artigo, fizeram baixar os salários dos trabalhadores do campo para além daquele mínimo estritamente físico, completando a diferença indispensável para assegurar a perpetuação física da raça mediante a lei dos pobres, podemos reler a afirmação marxiana afirmando que a política social incide sobre o preço da força de trabalho.

Em outras palavras, ao reduzir drasticamente o preço da força de trabalho, a burguesia busca, através de outros mecanismos – no caso, a lei dos pobres – a manutenção e perpetuação do trabalhador.

O que temos, portanto, em terceiro lugar é, no mínimo, uma referência de Marx ao que, atualmente, denominamos de política social no âmbito da relação capital x trabalho.

O salário, nessa linha de reflexão, não é mais a única remuneração percebida pelo trabalhador. O salário é apenas, e tão-somente, a remuneração imediata percebida pelo trabalhador. Mas, ao salário são integrados direitos sociais outros, que também expressam o preço da força de trabalho. A lei dos pobres se metamorfoseou em sistemas de aposentadoria, em previdência social; em políticas sociais estatais que buscam assegurar a perpetuação física dos trabalhadores.

No nosso entendimento, a lei dos pobres nada mais é do que um nome antigo para as modernas políticas sociais estatais dirigidas, prioritariamente, à classe trabalhadora.

E, nesse sentido, as atuais políticas sociais dirigidas aos trabalhadores assalariados são, essencialmente coerentes com a lei dos pobres: elas objetivam manter a perpetuação física da classe trabalhadora, através da troca de parte do preço da força de trabalho em mercadorias mais rentáveis para o capital, mercadorias estas controladas pelo Estado.

Entendemos, então, que toda regulação da força de trabalho no plano jurídico-formal constitui-se, no Estado capitalista, em uma política social.

Estamos entendendo a política social como uma gestão estatal de controle do trabalhador e de controle do preço da força de trabalho.

Podemos fazer um raciocínio fundamentalmente estatal/governamental: o trabalhador recebe, pela venda de sua força de trabalho – o salário + a previdência social + alguns outro direitos sociais ( licenças-maternidade e paternidade, por exemplo) + participação na produção nacional + alguns vales (transporte, alimentação); e alguns outros “benefícios” específicos das empresas – os chamados salários indiretos. Com tantos mais, como é possível afirmar que a política social reduz o preço da força de trabalho?

Tal afirmação se sustenta no reconhecimento de que esse conjunto de políticas sociais se constituem em mecanismos que só retiram do trabalhador remuneração monetária, ou seja, salarial, e lhe impõe políticas sociais estatais administradas e centralizadas pelo Estado. Há que se ressaltar a política social mais fundamental para o trabalhador: a política salarial. O controle público da política salarial tem levado a um constante rebaixamento do preço da força de trabalho.

As políticas sociais transferem uma parte do preço da força de trabalho para outras coisa, possibilitando transformar esta parte em capital privado lucrativo. O caminho que estamos delineando da política social dirigida aos trabalhadores assalariados pode ser assim estabelecido: existe uma parte do preço da força de trabalho, parte desta reconhecida pelo capital, que retorna para o trabalhador na forma de salário e de direitos sociais; outra parte fica nas mãos do Estado, sendo recursos que são repassados para a iniciativa privada – indústria da construção civil, hospitais, laboratórios farmacêuticos, etc., transformando a parte do salário do trabalhador, representada pelas demais políticas sociais, em capital privado lucrativo.

Bibliografia

MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

_______O capital: crítica da economia política. São Paulo: DIFEL, 1982. Liv. 1, v. 1: O processo da produção do capital.

______O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984

______Capítulo VI (inédito) de O Capital. Escorpião 12, Porto, 1975.

RUBIN, Isaak Illich. A teoria marxista do valor. São Paulo: Polis, 1987.

NOTAS

1 Artigo originalmente publicado em: Revista de Cultura Vozes, n. 2, ano 93, volume 93. Petrópolis : Vozes, 1999. p. 92/102

2 “Os trabalhos que só se desfrutam como serviços não se transformam em produtos separáveis do trabalhadores – e, portanto, existentes independentemente deles como mercadorias autônomas” (Marx, 1975, p. 99).


3 “...Não são as necessidades existentes que determinam o nível de produção, mas ... é a escala da produção – sempre crescente e imposta, por sua vez, pelo próprio modo de produção – que determina a massa do produto” (Marx, 1975, p. 92).



* Datos sobre la autora:
* Ednéia Maria Machado
Doutora em Serviço Social. Professora do Departamento de Serviço Social; Universidade Estadual de Londrina – Paraná / Brasil

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