O
título diz respeito a uma matéria que teve grande
repercussão e foi amplamente divulgada pela imprensa do Brasil
e do mundo. Segundo informações dos jornais, ignorando
protestos no Exterior e dentro do país, apelo da Anistia
Internacional e da União Européia, o estado
norte-americano de Ohio executou, com uma injeção
letal, um homem descrito por seus advogados como esquizofrênico
e sem condições mentais de entender o que estava
acontecendo com ele. Jay Scott, 48, foi condenado à morte por
assassinar um idoso, proprietário de uma loja, em Cleveland em
1983. Conforme o jornal, ele havia recorrido a todas as apelações
possíveis na Suprema Corte dos EUA e o governador de Ohio, Bob
Taft, recusou-se a evitar sua execução. (Jornal do
Brasil, 16/06/2001).
Nos
Estados Unidos os códigos penais variam de estado para estado,
alguns inclusive contemplam a prisão perpétua e a pena
de morte. No Brasil, que não contempla em sua legislação
essas penas, o tema ainda gera muita polêmica.
Partido
da premissa que, um doente mental não pode ser
considerado legalmente como criminoso, mas, por outro lado, não
se pode negar que foi ele um infrator da lei, sendo até
considerado como legalmente perigoso ,
se pretende discutir de que forma a justiça brasileira
trataria o crime em questão ? Qual o destino dos loucos
criminosos e os criminosos loucos? Como se deve
tratar de forma humana essas pessoas e ao mesmo tempo reabilitá-las
para o convívio social? (COHEN, 1996. p.73)
Assim,
considerando a relação entre o poder judiciário
e a prática psiquiátrica, como parte do dispositivo de
controle-dominação da loucura, busca-se nesse ensaio
identificar as implicações em casos de envolvimento de
doentes mentais que infringiram a lei ainda relatar, através
da experiência enquanto estagiária em um Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico, os limites e as
possibilidades do Serviço Social no sentido de
evitar a prisão perpétua a que muitos estão
submetidos.
Nessa
perspectiva de iniciamos o trabalho com um resgate histórico
de dois mecanismos de controle social - a prisão e hospital
os quais apesar de guardarem diferenças apresentam similitudes
no sentido de que os saberes e práticas concebidos no segundo
são regidos, se podemos assim dizer, com a mesma lógica
que move os mecanismos de dominação e imposição
da lei e da ordem .
Adiante
o objetivo é discorrer sobre a emergência da fusão
dessas instituições em um determinado momento histórico
atendendo assim ao clamor público vigente na época.
Dito de outra forma, o produto daí advindo ou seja, o
Manicômio de Judiciário um campo que consegue
articular, de um lado duas das realidades mais deprimentes da
sociedades modernas o asilo de alienados e a prisão
e, do outro, dois dos fantasmas mais trágicos que nos
perseguem a todos o criminoso e o louco.
(CARRARA, 1998. p. 26)
E
finalmente abordar como se exerce efetivamente o controle daqueles
que são portadores de transtorno mental que caíram nas
malhas da lei assim como, discutir os conceitos regem
esse controle.
A PRISÃO
Vi meus
personagens de carne e osso. Convivi com condenados, assassinos e
marginais; escutei suas histórias e observei o ponto de vista
deles. Sentei no banco dos réus, pilotei uma sela e senti o
cheiro insuportável da prisão, imaginando o quanto
fácil é deixar de ser racional para ser simplesmente um
animal. A aventura diária de quem estava no inferno. (...) O
crime me fascina no sentido de que se reflete a obsessão dos
miseráveis, dos caídos e dos delinqüentes.
Escrever para mim é sangrar.
Hosmany Ramos |
É
público e notório que a vida em sociedade requer de
seus membros, normas de conduta bem determinadas, ou seja, padrões
de comportamentos, regras mínimas para uma convivência
que se queira minimamente harmoniosa. Leis e normas, são
apresentadas como as únicas racionais, civilizadas, adequadas
à situação, como se fossem naturais, universais.
A
normalização social necessária a uma convivência
harmoniosa pode ser transmitida às pessoas através dos
aparelhos institucionais, repressivos e ideológicos do Estado,
na concepção althusseriana do termo: o hospital, o
cárcere, a igreja, a família, a escola, entre outras.
A
prisão entre outras instituições disciplinares,
mostra com mais clareza, o poder simbólico de
representar os meios pelos quais ocorre a normalização
social. Isto é existe um esquadrinhamento do espaço,
cada pessoa ocupa um determinado lugar, deve ficar naquele espaço
e não em outro, etc.
O
tempo no sistema prisional é criteriosamente distribuído
e regulado segundo certos horários e não há
possibilidade de outros. As atitudes também são
observadas minuciosamente, vigiadas, registradas. A disciplina se
encontra presente nos mínimos detalhes da organização
da vida carcerária sendo imposta aos presos e
carcerários.
O
poder de dominação não é empregado
somente em reprimir mas também, utilizado para produzir, para
criar novos comportamentos sociais através de esquemas de
vigilância, punições e recompensas. (CAMARGO,
1990. p. 134)
Camargo
observa que a prisão passou a ser pensada no final do século
XVIII e início do século seguinte nos países já
industrializados, como a pena das sociedades civilizadas.
Anteriormente ocupara uma posição secundária na
hierarquia do sistema de penas, tendo como objetivo assegurar a
presença do suspeito à disposição de seus
juizes, ou do condenado à espera da execução da
sua sentença.
A
mesma autora identifica que a alteração do estatuto
jurídico da prisão está diretamente relacionada
ao liberalismo triunfante da revolução francesa
pois, numa sociedade em que a liberdade se constitui um bem que
pertence a todos da mesma forma, e ao qual cada um está
vinculado a um sentimento universal e constante, podemos
concluir que sua privação tem o mesmo preço para
todos; melhor que a multa, ela é o castigo igualitário.
Assim
a prisão é inteiramente adequada às sociedades
industriais, pois ela se torna uma forma-salário
de reparação: retirando o tempo do condenado, esta
instituição mostra que a infração
cometida por este lesou, não apenas a vítima, como
também a sociedade inteira. Assim, é possível
entender que a prisão permite quantificar, com exatidão,
a pena segundo a variável do tempo, contabilizando os castigos
em dias, meses, anos seguindo equivalências quantitativas
delito-duração. Daí no senso comum se dizer
costumeiramente que a pessoa está presa para pagar a sua
dívida. (CAMARGO, 1990. p.133)
A
industrialização trouxe intrínseca a necessidade
de grande quantidade de mão-de-obra, e a prisão surge
como prerrogativa para transformar pessoas ociosas em população
trabalhadora: projetadas enquanto fábricas de disciplina, a
estrutura carcerária, além da punição
possui dentro outros objetivos, transformar os corpos dos indivíduos
- utilizando-se de meios de coerção e processos de
treinamento - em corpos dóceis, ou seja, até se
traduzirem em novos comportamentos produtivos, socialmente úteis.
(CAMARGO, 1990. p.134)
A
prisão se constitui em um aparelho modificador de indivíduos
-, despojamento do eu dos que nela ingressam,
seguido de outro processo, o de reorganização da
personalidade na base de novos padrões - como a
escola, os quartéis, entre outras.
Ao
ingressar na prisão o indivíduo perde sua auto-imagem,
como também uma série de direitos fundamentais, como
votar, responsabilizar-se pelos filhos, manter habitualmente relações
heterossexuais, ou seja, além cidadania, perde a liberdade, a
identidade e a privacidade .
A
prisão é uma instituição que pela própria
natureza traz intrínseca uma série de contradições
já que, se propõe a ações bastante
conflituosas que remete a um grande drama ainda não
respondido: recuperar ou punir?.
O
tema das prisões desde o seu surgimento vem sendo debatido por
diversos autores. Além dos estudos clássicos como de
Michel Foucault que retrata a natureza dessa instituição,
ou ainda em outro campo teórico Goffman que fala sobre o
estigma da prisão, temos ainda publicações
recentes sobre essa área, merece destaque os recentes
trabalhos de Loïc Wacquant .
Este
sociólogo francês faz uma articulação de
toda a questão das prisões com o desenvolvimento
econômico das sociedades. O autor introduz uma nova discussão
argumentando que, atualmente as prisões são projetadas
como fábrica de exclusão, e a população
que habita as prisões é composta por pessoas excluídas
socialmente.
A
exclusão social noção de origem francesa vem
sendo apreendida por Escorel (1998. p.19) como um processo que
envolve trajetórias de vulnerabilidade, fragilidade ou
precariedade e até ruptura dos vínculos em cinco
dimensões da existência humana em sociedade: o mundo do
sócio-familiar, do trabalho, das representações
culturais, da cidadania e da vida.
Contudo,
o processo de exclusão não é fabricado pela
prisão, o indivíduo quando lá chega já
traz toda uma carga, que a instituição faz aprofundar
uma prova disso é o fato de uma pessoa ser possuidora de curso
superior conceder a esta direito a prisão especial .
De
acordo com Freixo (2001. p.11) o nosso sistema prisional é
cuidadosamente seletivo ou seja, o tipo de crime cometido pelo
pobre é que gera privação de liberdade. Assim
podemos concluir que existe um conjunto de situações
onde algumas pessoas se encontram em déficit no jogo social,
produzindo uma visibilidade econômica que de certa forma
justifica nesses segmentos uma tendência ao crime
necessitando assim, serem constantemente vigiados.
Nas
palavras de Zaffaroni (1991. p.53)
É
verdade que no mundo temos sistemas penais seletivos, mais violentos,
mais reprodutores de violência e sistemas penais menos
seletivos, menos violentos, menos reprodutores de violência.
Isso é verdade, sem dúvida. Como regra geral,
poderíamos dizer que o sistema penal é mais seletivo,
mais violento, mais reprodutor de violência quanto mais
estratificada seja a sociedade, quanto maior seja a polarização
da riqueza numa sociedade, quanto maior seja a injustiça
social numa sociedade. E que é menos seletivo, menos violento,
menos reprodutor de violência quanto menor seja o grau de
injustiça social de uma sociedade. |
Ao
observarmos o meio penitenciário percebemos que lá
existem estruturas sociais, como na sociedade, a cadeia reproduz essa
estratificação: presos que passam a ser poderosos, os
ricos, os de prestígio, os prestadores de serviços
sexuais, os alcagüetes, os traficantes, entre outros.
(AUGUSTINIS; COHEN, 2002)
Abusos
de direitos humanos são cometidos diariamente nos
estabelecimentos prisionais contra milhares de pessoas: a escassez de
recursos, as péssimas condições em que se
encontram as unidades prisionais, superlotação, falta
de pessoal especializado, etc.
Mesmo
não tendo dados concretos que justifiquem a afirmação
fica evidente que durante muito tempo o Estado não se
preocupou em implementar políticas públicas capazes de
proporcionar melhores condições de vida para os
detentos, sendo assim, a idéia de abuso de presos, e, por
isso, criminosos, não merece a atenção da
opinião pública citados pela mídia apenas quando
explodem rebeliões.
Segundo
o relatório do Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN) com base nos dados
levantados em março de 2002 revela que nos 903
estabelecimentos penais existentes no Brasil a estimativa
do número de presos no país soma 235.460. Desse total,
155.050 condenados e 80.034 provisórios. Dos estabelecimentos
penais com existentes no país contam com um número de
170.474 vagas efetivas. Dessa forma, o déficit das vagas se dá
na ordem de 64.986 .
Em
geral os presidiários são vistos com menosprezo pela
sociedade que muitas vezes, sob influência dos meios de
comunicação, acredita que o desrespeito aos direitos
fundamentais do preso representa um castigo adequado e a violência
a que são submetidos é tolerada, justificada e mesmo
aplaudida.
De acordo com
Caldeira
além
de a população não ver com maus olhos o uso da
força contra os bandidos, os estereótipos
disponíveis na sociedade brasileira, sobre os criminosos
consideram-nos no limite não só da sociedade, como
também da humanidade. E, na verdade, no processo de
contestação aos direitos humanos parece que esses
estereótipos foram se tornando mais radicais. A imagem dos
criminosos foi mais do que enfatizada. Eles foram pintados em cores
fortes do preconceito, da discriminação social e do
desvio ( CALDEIRA, 1991. p.169) |
O
sistema penitenciário funciona como um sistema repressor de
indivíduos que cometeram algum ato ilícito, e tem como
finalidade puni-los, tratá-los para só assim
reinserí-los ao convívio social.
Contudo,
Ferracuti chama a atenção
que
é impossível "curar" - modificar valores,
pulsões, estereótipos, aspirações - em
ambiente de coação, restrito, no âmbito da mais
absoluta das "instituições totais ",
tratando-se de um "paciente involuntário", com meios
inadequados, com pessoal só parcialmente qualificado e
inseguro do seu próprio status e de sua função,
sem que esteja claro o que significa "cura" e qual seria o
"produto final" pretendido para que o indivíduo
possa sair dessa cadeia - que já funciona em críticas
condições de superpopulação e na qual se
constata variabilidade da população-cliente, de suas
normas e indefinição da finalidade do sistema.
(FERRACUTI apud AUGUSTINIS; COHEN, 2002) |
Augustinis
& Cohen observam que a instituição prisional,
embora inserida no quadro legal e de justiça, torna-se
Kafkiana
ao deixar de oferecer uma efetiva reabilitação
sóciojurídica ao seu usuário pois,
freqüentemente deixa de considerar os direitos das pessoas que
são tratadas de forma desumana, não sendo sequer
respeitadas as regras mínimas propostas pela Organização
das Nações Unidas para o tratamento dos reclusos .
Contudo,
a privação da liberdade não ameaça a
todos do mesmo modo, na mesma proporção, nem com a
mesma força. Para alguns ela é somente ameaça.
E, para outros, ela é certeza que persegue.
Wacquant
em seu estudo sobre o processo da privatização das
prisões e da criminalização da pobreza nos EUA,
constata que punir os pobres é uma nova forma de gestão
da miséria, de guardar os inúteis, os que não
têm funcionalidade na economia capitalista. Analisa que há
uma transição do Estado-Providência para um
Estado que criminaliza a miséria. (WACQUANT, 2001)
O
autor chama atenção e aponta a existência de uma
tendência que o Brasil parece estar querendo seguir, já
que, a esmagadora maioria dos presos brasileiros faz parte da camada
pobre, trabalhadora e secularmente oprimida e marginalizada que,
constitui 80% da população brasileira.
Ainda
com relação a essa tendência, o autor denuncia a
dominância de uma política de mercado onde o crime é
não ser consumidor: no Brasil, como no resto do mundo a massa
carcerária é constituída basicamente por
uma população de jovens, pobres, com baixo nível
de escolaridade.
Pesquisas
recentes apontam que mais da metade dos presos tem menos de 30 anos,
95% são pobres, 95% do sexo masculino, e dois terços
não concluíram o primeiro grau (cerca de 12% são
analfabetos) .
Camargo chama atenção que as instituições
prisionais
não
estão isoladas, evidentemente, mas bem articuladas com leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, princípios
filosóficos, morais, etc. formando mecanismos, dispositivos
disciplinares que garantem a ordem desse tipo de sociedade. O grande
objetivo do conjunto de dispositivos disciplinares não é
manter as estruturas sociais pela força embora não
a exclua mas sim pelo cumprimento de normas de conduta bem
determinadas. (CAMARGO, 1990. p.134) |
Contudo Camargo
afirma que a prisão enquanto projeto de transformação
de indivíduos pode ser considerada um fracasso total.
Na França documentos datados de 1820 constatam que o sistema
prisional longe de transformar os criminosos em gente honesta
serve apenas para afundá-los ainda mais na criminalidade.
(CAMARGO, 1990. p. 135)
Ou
seja, a prisão tem provocado o efeito contrário ao
desejado, prisões representam atualmente uma pena de
morte social já que não seguem mais a lógica
punitiva dos séculos XVIII e XIX assim, se constituindo
efetivamente em depósitos de exclusão. (FREIXO, 2001)
A
ressocialização está longe de ser o
objetivo e a finalidade da pena de prisão .
Suas funções tem se pautado em objetivos antagônicos:
punir e exemplariar. Ou seja, perdeu-se a muito a bússola da
ressocialização não sendo mais possível
considera-la utopia, algo irrealizável e sim, algo absurdo,
aquilo que jamais poderá ser feito porque está em
oposição à lógica. (ZAFFARONI, 1990)
Para
assegurar que o condenado não mais poderá causar danos
a sociedade, coibindo eventuais fugas, e ao mesmo tempo garantir a
sobrevivência da população presa
o sistema prisional conta com recursos humanos diferenciados: cabe
aos agentes de segurança penitenciária a
responsabilidade de zelar pela segurança e disciplina. Assim,
surge essa quase ficção de alguém, um
adulto que custodia outro adulto ou seja, homens que
custodiam outros homens. (DAHMER, 1992)
Cabe
ressaltar que tal tarefa em termos de passado histórico das
punições não existia pois tínhamos a
figura do carrasco que dava fim a vida do condenado. Hoje tal tarefa
é desempenhada pelo agente penitenciário, sem que no
Brasil disponha de uma escola de formação portanto, o
conhecimento é transmitido de uma geração mais
antiga de agentes para os novos ou seja, as práticas
profissionais exercidas são fundamentadas
inexoravelmente na ideologia e muito pouco norteada por um
conhecimento sistematizado em um corpo teórico.
As
prisões contam ainda com outro grupo de profissionais que
tradicionalmente pouco se identificam com a segurança, são
eles os técnicos de diferentes áreas entre eles, o
assistente social. A estes profissionais dentro da custódia,
não cabe a tarefa de zelar pela segurança, é de
sua competência assegurar condições de vida
compatíveis com a condição humana.
Contudo,
tarefas específicas procedentes das leis assim como, das
disciplinas teóricas que orientam a formação
profissional dos técnicos, colocam atribuições
extremamente contraditórias às condições
de vida dos confinados.
Técnicos
e agentes embora com funções institucionais
diferenciadas desempenham um papel pedagógico. Convivendo no
mesmo espaço institucional a confluência dessas
divergentes, porém complementares, atividades profissionais se
dá com maior ou menor grau de intensidade no dia-a-dia da
instituição: nos conflitos de familiares dos presos,
conflitos com companheiros, laudos para instruir benefícios,
infrações disciplinares cometidas que demandam técnicos
e agentes, confrontam opiniões. (DAHMER, 1992)
Apesar
de todo esforço empreendido no sentido de reprimir a autonomia
dos presos - que pode ser entendida como retaliação ao
delito cometido - não podemos negar o fenômeno da
prisionalização, ou seja, não
podemos ignorar o surgimento de uma cultura própria dos
presídios ,
uma estrutura autônoma, com funções diferenciadas
e leis próprias.
Apesar
de toda tentativa de poder na forma de controle, na prática,
os indivíduos não perdem de fato sua autonomia e, o
suposto reeducando, para sobreviver terá que se identificar
com seus colegas de infortúnio.
Assim,
considerando
que um dos princípios filosóficos que sustentam o
sistema prisional, o da defesa social, que é o de proteger a
sociedade com relação ao indivíduo que cometeu
um ato antijurídico, ainda seja válido. O que se
questiona, porém é como na prática se deva
realizar essa proteção social e como se deve tratar de
forma humana essas pessoas a serem custodiadas e ao mesmo tempo
reabilita-las ao convívio social. (AUGUSTINIS; COHEN ,
2002) |
Devemos
observar de forma realista e desarmados de pré-conceitos não
somente a instituição carcerária, como também
o hospital psiquiátrico, pois somente assim poderemos conhecer
realmente como funcionam e, deste modo estabelecer estratégias
e táticas de ação mais adequadas a essa
realidade. Atualmente essas estratégias convergem na direção
do multiprofissional como o que tem maiores possibilidades de
melhores respostas, integrando saúde, a justiça, a
visão social, religiosa, etc. (AUGUSTINIS; COHEN, 2002)
A
partir desse resgate histórico pudemos além de
caracterizar a instituição carcerária também,
identificar as bases que sustentam sua manutenção
apesar de evidenciada sua ineficiência.
Mais
adiante observaremos que os alicerces que fundamentam a existência
do asilo de alienados em determinado momento vão se assemelhar
ao da prisão ou seja, remover, excluir, esconder, enclausurar
aquilo que não se coadunava com uma determinada ordem social
sem contudo esquecer que a estes será acrescido o caráter
científico.
DE TENDÊNCIA À POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL
Resende
ao analisar as circunstâncias que determinaram a emergência
da loucura enquanto problema social e, que traz atrelada a si, a
imprescindível criação de instituições
para controlá-la constata semelhanças no Brasil no
final do século XIX e na Europa no século XVI guardando
é claro as peculiaridade locais e defasagens no tempo.
Baseado
em estudo clássicos da época o autor identifica que na
sociedade imaginária denominada o século do
ouro, na Europa, aos loucos era permitido viver sem submissão
de métodos ou regra estes, eram guiados pela própria
natureza e instinto.
A
partir do nascimento da revolução burguesa a loucura
que aparecia então diluída imprecisamente em todos os
homens e, era de certa forma algo visto como natural, integrante da
idiossincrasia dos sujeitos sofrerá alterações
significativas como veremos mais adiante.
Esta
com sua ideologia disfarçada de científica,
filosófica e religiosa viria a lançar os pilares
de um novo conceito de natureza humana suscitando um homem cujos
atributos de virtude, e razão veio ampliar os limites da norma
e, consequentemente, estreitar os horizontes permitidos à
loucura.
A
definição de normal e do patológico não
mais a partir de uma normatividade pessoal de cada um mas de um eixo
de referência supra-individual, emanado das necessidades da
economia, entendida aqui, no seu amplo sentido, como a práxis
posta a serviço da produção e da reprodução
da vida social, permanece até hoje na ordem do dia com uma das
questões centrais da problemática da doença
mental e das instituições que dela se ocuparam.
(RESENDE, 1990. p.20) |
As
atividades de desenvolvidas o trabalho agrícola, o
artesanato, e o trabalho artístico diferente da moderna
atividade industrial não desqualificava os indivíduos
para o trabalho antes porém, tinha como característica
acomodar largas variações individuais e de respeitar
o tempo e o ritmo psíquico de cada trabalhador
Assim, podemos afirmar que o fim do campesinato como
classe e o declínio dos ofícios artesanais vieram
marcar o destino do louco e elevar a loucura à categoria de
problema social.
A
partir do contexto descrito as cidades se regurgitaram de
desocupados, mendigos e vagabundos e como reação foi
empreendida em toda Europa uma repressão efetiva à
mendicância, à vagabundagem e à ociosidade
as
medidas legislativas de repressão se complementaram pela
criação de instituições, as casas de
correção e de trabalho e os chamados hospitais gerais,
que apesar de nome, não tinham qualquer função
curativa, Destinavam-se a limpar cidade dos mendigos e anti-sociais
em geral, a prover trabalho para os desocupados, punir de ociosidade
e reeducar para a moralidade mediante instrução
religiosa e moral. (RESENDE, 1990. p. 24) |
A loucura que durante tanto tempo permaneceu manifesta e
loquaz será dissipada do cenário social. Os loucos
serão enclausurados nos porões das Santas Casas e
hospitais gerais partilhando com os demais indesejáveis
sociais de diversas formas de punição e tortura. Os
alienados na qual se identificava alguma especificidade, iriam sofrer
tratamentos médicos que, levados a tal grau de
brutalidade, não podiam ser desqualificados como formas de
tortura.
O
final do século XVIII, com a idéias do Iluminismo, os
princípios da Revolução Francesa, a Declaração
dos Direitos do Homem nos Estados Unidos, viu crescer o movimento de
denúncias contra as internações leia-se
seqüestrações arbitrárias
dos doentes mentais, seu confinamento em promiscuidade com toda
espécie de marginalizados sociais e as torturas, disfarçadas
ou não sob a forma e tratamentos médicos, de que eram
vítimas .
(Resende, 1990. p. 25) |
Não
exclusivo, centrado em bases humanitárias o movimento que
generalizou-se com o nome de tratamento moral pode ser entendido como
uma pedagogia da ordem , uma normatização. De acordo com Amarante: a grosso modo o tratamento moral é a utilização
conveniente da disciplina, onde todos os aspectos que compõe a
instituição asilar, concorrem para este fim.
(RESENDE, 1990. p. 26)
O doente mental necessita de normas, de uma rotina
rígida que se dará em uma instituição que
o trate, o asilo, pois o isolamento se torna imprescindível
para eficácia do tratamento demarcando assim, o caráter
de positividade da instituição médica. Surge
também a necessidade um alguém capacitado, o médico
ou seja, um campo específico.
Contudo
na avaliação de alguns autores a modalidade em questão
teria possibilitado senão a substituição da
violência franca pela violência velada da ameaça e
das privações. Assim seu fracasso será atribuído
a intensificação dos processos de darwinismo social e
consequentemente deterioração da condições
de vida das cidades, o afluxo maciço de imigrantes
estrangeiros para os Estados Unidos na segunda metade do século
XIX e a necessidade de remover da comunidade os elementos
perturbadores da ordem e indesejáveis vieram inchar a
população internada dos hospitais psiquiátricos
e destruir o ambiente familiar que facilitava as trocas
interpessoais, prováveis e responsáveis pelo êxito
das pequenas instituições regidas pelos princípios
do tratamento moral. (RESENDE, 1990. p. 28) |
De acordo com Resende no que se refere a realidade do
Brasil constata-se que é parcialmente verdadeira a sustentação
elaborada no início de que as particularidades que
determinaram a incidência da loucura e da pessoa do louco à
condição de problema social, foram semelhantes na
Europa do século XVI e no Brasil dos primeiros anos do século
XIX.
O autor identifica que em ambos os casos se repetem as
mesmas justificativas nas proposições de criação
de instituições para controle e tratamento dos
alienados contudo, ressalva que as peculiaridades da vida econômica
e social do Brasil colônia introduziram algumas
dissimilaridades quanto às causas que levaram àquelas
circunstâncias.(RESENDE, 1990. p. 29)
O
doente mental faz sua aparição na cena das cidades,
igualmente em meio a um contexto de desordem e ameaça à
paz social, mas, diferentemente do que se observou na Europa, em
plena vigência da sociedade rural pré-capitalista,
tradicionalmente pouco discriminativa para a diferença. Ou
seja, aquelas condições classicamente invocadas como
determinantes de um corte a partir do qual o insano torna-se um
problema a industrialização, a urbanização
maciça e suas conseqüências e que levaram
muitos autores do século passado a admitir a doença
mental como corolário inevitável do progresso,
ainda não se tinha instalado no Brasil e já a
circulação de doentes pelas cidades pedia providências
das autoridades. (RESENDE, 1990. p. 30) |
Esta particularidade da situação
brasileira será determinante na organização da
ideologia da instituição psiquiátrica neste país
ou seja, será exatamente a característica central da
vida econômica da colônia o trabalho baseado na
atividade servil que condicionará a situação
social do período, moldará preconceitos e determinará
transformações e conseqüências que
terminarão por exigir providências e ações
concretas.
Até o final do século XVIII as cidades
brasileiras ainda permaneciam pouco povoadas, as industrias
inexpressivas e os poucos trabalhos artesanais em grande parte
destinados à subsistência das fazendas sendo
desempenhadas por profissionais autônomos.
O conceito de trabalho na sociedade brasileira terá
uma representação social negativa diretamente
relacionada onipresença do escravo, tanto na atividade
produtiva como na atividade doméstica, tanto na cidade como no
campo, restringindo de tal forma o espaço reservado ao
trabalho livre que poucas ocupações dignas restarão
marcando a atividade laborativa em geral como atividade pejorativa e
desabonadora.
Polarizada a vida social da época pode ser
identificada de um lado por uma minoria de senhores e proprietários
e, de outro uma multidão de escravos.
Resende ainda chama atenção para
existência de subcategorias identificando assim uma massa
incalculável de inadaptados, indivíduos sem trabalho
definido ou totalmente sem trabalho. Percebe ainda uma terceira
subcategoria, a mais degradada incômoda e nociva é
a dos desocupados permanentes, vagando de léu em léu à
cata do que se manter e que, apresentando-se a ocasião,
enveredam francamente pelo crime. (RESENDE, 1990. p. 34)
Socialmente ignorada por quase trezentos anos a loucura
insurge de forma notória. Nas ruas a presença dos
loucos será associada a de outros marginais dessa
forma, será facilmente arrastada na rede comum da repressão
à desordem, à mendicância, à ociosidade.
Nas Santas Casas de Misericórdia integrará
sua população contudo, receberá tratamento
diferenciado dos demais pois serão amontoados em seus porões,
sem qualquer tipo de assistência médica.
Nas prisões caberá aos guardas e
carcereiros a função de reprimir seus delírios:
submetidos a contenção e espancamento, os loucos, serão
literalmente condenados à morte por maus tratos físicos,
desnutrição e doenças infecciosas.
Desordem
franca e ociosidade, perturbação da paz social e
obstáculo ao crescimento econômico, estão aí
as mesmas circunstâncias sociais, que alguns séculos
antes, determinaram na Europa, o que Foucault qualificou de o
grande enclausuramento; as diferenças residem apenas nas
causas estruturais, aqui e lá, e que não foram poucas.
(RESENDE, 1990.p. 35) |
A solução encontrada para o caos
estabelecido seria impreterivelmente remover os elementos
perturbadores com o objetivo de reeduca-los para a atividade laboral
A
loucura que se exteriorizava por comportamentos que, do ponto de
vista das necessidades da economia e do convívio social
assimilam o louco aos outros desadaptados, será arrastada na
mesma trajetória destes últimos; numa primeira fase.
Mas reconhecendo-se na loucura uma certa especificidade e nas suas
manifestações algo de não necessariamente
voluntário, ele será posteriormente triada, geralmente
sob a pressão de denúncias e apelos humanitários.
(RESENDE, 1990. p. 36) |
Contudo apesar do destino dos doentes mentais estar
associado a de outro marginalizados sociais há, se podemos
assim considerar, em desfavor aos doentes mentais o fato de que a
necessidade de contenção será referendado pela
ciência; o seqüestro uma indicação clínica
e o trabalho ser uma exigência terapêutica.
Outro fator relevante se expressa na existência de
número desproporcional de representantes das classes populares
e de determinados grupos étnicos integrando a população
dos hospícios justificadas, por taras hereditárias e
tendências naturais desses grupos a determinados distúrbios
mentais e à sociedade.
Resende
concebe a expressão tendência como mais representativa
da realidade brasileira no que se refere a história da
assistência prestada ao doente mental se constituindo em um
processo de exclusão, marcada pela inexistência de um
política para o setor que, segundo diversos autores se dará apenas em 1852, no Rio
de Janeiro, com a inauguração pelo próprio
imperador D. Pedro II, do hospício que recebeu seu nome.
As
primeiras instituições psiquiátricas no Brasil
surgiram em meio a um contexto de ameaça à ordem e à
paz social. em resposta aos reclamos gerais contra o livre trânsito
de doidos pelas ruas das cidades; acrescentem-se aos apelos de
caráter humanitário, das denúncias contra maus
tratos que sofriam os insanos. A recém-criada Sociedade de
Medicina engrossa os protestos, enfatizando a necessidade de dar-lhes
tratamento adequado, segundo as teorias técnicas já em
prática na Europa.
Três proposições
contraditórias entre si; num extremo, um indicação
prioritariamente social, a remoção e exclusão do
elemento perturbador, visando a preservação dos bens e
da segurança dos cidadãos, e no outro extremo, uma
indicação clínica, a intenção de
curá-los. De permeio a proposta de minorar-lhe o sofrimento,
na tradição das instituições de caridade
brasileiras (RESENDE, 1990. p. 39) |
Resende
chama atenção que a premência e a preeminência
da função saneadora dos primeiros hospícios dão
às origens da assistência psiquiátrica brasileira
um aspecto bastante peculiar, qual seja, o da precedência da
criação de instituições destinadas
especificamente a abrigar loucos sobre o nascimento da psiquiatria,
enquanto um saber especializado, exclusivo sobre assuntos de saúde
e doença mental.
Importante
ressaltar que a nosologia psiquiátrica inexistia nas
instituições assim como, a presença das
religiosas dificultava qualquer possibilidade de intervenção
do médico que não detinham sequer o poder
administrativo cabendo tal função as irmãs de
caridade.
De acordo com Resende em nos primeiros tempos o doente
mental se constituiu um subproduto da cristalização das
relações de trabalho do Estado escravista, de certa
forma uma vítima ou conseqüência do não
progresso (com as devidas ressalvas pela liberdade do uso desta
expressão a-histórica e a-dialética), não
se justificando portanto o investimento de qualquer caráter
curativo. (RESENDE, 1990. p. 41)
Ou seja, o escravo que tinha um lugar social determinado
com o processo de transição perde suas referências
já que nenhum tipo de assistência lhe é
assegurado, restando-lhe apenas a categoria de marginalizado.
A
quebra, daquela ordem veio trazer problemas novos sobretudo o
agravamento da questão da marginalidade pedindo não
só a intensificação dos processos de exclusão,
mas uma proposta de recuperação de material excluído,
e um corpo de conhecimentos que justificasse e legitimasse ambos os
processos. Em contraste com o período anterior, no qual o
binômio ordem-desordem era o equivalente social da equação
saúde-doença e a contribuição para a
restauração da ordem podia ser cumprida pela
psiquiatria empírica, no emergente capitalismo comercial e
industrial brasileiro somava-se àquele problema a ameaça
à sobrevivência e à reprodução da
força de trabalho e, em última análise, ao
próprio processo de reprodução do capitalismo.
(RESENDE, 1990. p. 42) |
Resende identifica que, a grosso modo, o período
imediatamente posterior à Proclamação da
República pode ser classificado como um divisor de águas
entre psiquiatria empírica do vice- reinado e a psiquiatria
científica, a laicização do asilo, a ascensão
dos representantes da classe médica na administração
das instituições e ao papel de porta-vozes legítimos
do Estado, que tomam para a si a atribuição do cuidado
ao doente mental, em questões de saúde e doença
mental, tal como a gravidade da situação exigia.
(RESENDE, 1990. p. 43)
Outra providência no período é a
entusiástica adesão à política de
construção de colônias agrícolas. Essa
complementar a rede de ofertas de serviços hospitalares
tradicionais tinha como objetivo dar conta dos excedentes produzidos
nas instituições urbanas. Situadas em
lugares de difícil acesso na verdade, sua única função
social, era excluir o doente de seu convívio social, e,
escondê-lo dos olhos da sociedade. (RESENDE, 1990.
p. 52)
Resende constata que ao fim da década de 50 a
situação brasileira no trato ao doente mental era
caótica caracterizada pela superlotação das
instituições, deficiência de pessoal maus tratos,
condições de hotelaria tão más ou piores
do que nos piores presídios a mesma situação
denunciada há quase cem anos antes.
A colônia, um dos espaços utilizados para
excluir o louco, perdeu sua função e se tornam
anacrônicos urbanos mesmo porque, num país que se
industrializava e se urbanizava rapidamente, a reeducação
para o trabalho rural tornava-se algo sem função.
A assistência psiquiátrica pública
se mostrava lenta a medida que desconhecia mudanças
significativas que sofria a prática psiquiátrica na
Europa e nos Estados Unidos, a partir do período da segunda
grande guerra, e em se adaptar às modificações
por que passava a sociedade brasileira.
A
psiquiatria só será chamada a dar sua contribuição
efetiva e adquirirá o status de prática
assistencial de massa após 1964 ou seja, com o movimento
militar se constituindo como
o
marco divisório entre uma assistência eminentemente
destinada ao doente mental indigente e uma nova fase a partir da qual
se estendeu a cobertura à massa de trabalhadores e seus
dependentes. Dadas as já mencionadas precárias
condições dos hospitais da rede pública, que
permaneceram reservados aos indivíduos sem vínculo com
a previdência, e a notória ideologia privatista do
movimento de 64, alegando-se ainda razões de ordem econômica,
optou-se pela contratação de leitos em hospitais
privados, que floresceram rapidamente para atender à demanda.
(RESENDE, 1990. p. 61) |
A incipiente rede ambulatorial disponível à
época funcionava exclusivamente como malha de captação
de pessoas para hospitalização. O período
1965/70 pode ser caracterizado pelo fenômeno do afluxo maciço
de doentes para unidades hospitalares da rede privada com um frouxo
controle dessas internações que tinham duração
de até três meses.
Resende
ao realizar um balanço da atenção ao doente
mental no Brasil até a segunda metade da década de 60
não identifica a configuração de uma política para o setor, dando assim preferência ao termo tendência
entendendo ser este mais conveniente para efeito de análise
assim, a assistência psiquiátrica no Brasil assume o
papel que sempre lhe coube na história, o de recolher e
excluir os indesejáveis sociais.
Na
realidade, o problema das instituições psiquiátricas
revelava uma questão das mais fundamentais: a impossibilidade,
historicamente construída, de trato com as diferenças e
os diferentes. Em um universo das igualdades, os loucos e todas as
maiorias feitas minorias ganham identidades redutoras da complexidade
de suas existências. Opera-se um identificação
entre diferença e exclusão no contexto das liberdades
formais e, no caso da loucura, o dispositivo médico alia-se ao
jurídico, a fim de basear leis e, assim, regulamentar e
sancionar a tutela e a irresponsabilidade social. (RESENDE,
1990. p. 48) |
Na
década de 80 a saúde mental, no Brasil, vivenciou
inflexões fundamentais para a mudança da assistência
psiquiátrica até então pautada exclusivamente no
modelo hospitocêntrico, caracterizado por uma ausência de
preocupação com projetos efetivos para a reabilitação
psicossocial da clientela que assiste.
O
processo denominado Reforma Psiquiátrica estabelecido a partir
da década de 70 emerge em um momento de abertura política,
marcado com o início do fim da ditadura militar no Brasil
respondendo assim, a demanda do Movimento de Trabalhadores em Saúde
Mental
primeiro e relevante ator na modificação na área.
De acordo com Amarante,
está sendo considerada como reforma psiquiátrica um
processo histórico de formulação crítica
e prática, que tem como objetivos e estratégias o
questionamento e elaboração de propostas de
transformação do modelo clássico e do paradigma
da psiquiatria. (...) Tem como fundamentos não apenas
uma crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde
mental, mas também, - e principalmente um crítica
estrutural ao saber e às instituições
psiquiátricas clássicas. (AMARANTE, 1995. p. 87) |
Nesse
mesmo período é fundado o Centro Brasileiro de Estudos
de Saúde CEBES, que vai organizar a discussão na
área, congregando profissionais da saúde, promovendo
debates, pesquisas e lançando a revista Saúde em
Debate, com o objetivo de produzir e organizar o pensamento e
as críticas no campo da saúde pública.
Em
1987 acontece a I Conferencia Nacional de Saúde Mental
em desdobramento à 8ª Conferência Nacional de Saúde
- onde se tornaram públicas as críticas ao modelo
assistencial baseado exclusivamente nas internações
hospitalares, afirmando assim a necessidade da reforma com o objetivo
rever esse modelo assistencial, ainda vigente. É importante
destacar que esse período também é marcado pelo
surgimento dos serviços de base comunitária denominados
serviços extra hospitalares.
Após
cinco anos acontece II Conferência Nacional de Saúde
Mental marcada por uma ampla mobilização - estima-se
que em torno de 20.000 pessoas participaram desse processo que
teve como um dos pontos relevantes o aprofundamento nas críticas
no modelo assistencial .
Em
dezembro de 2001 aconteceu a III Conferência Nacional de Saúde
Mental como tema principal a discussão da cidadania e doença
mental e propõe reversão da tendência
hospitalocêntrica e psiquiatrocêntrica, dando
prioridade ao sistema extra-hospitalar e multiprofissional.
A pauta de
discussão da conferência contempla ainda o
credenciamento pelo setor público de leitos hospitalares em
hospitais psiquiátricos tradicionais, com redução
progressiva dos existentes, substituindo-os por serviços
alternativos; a proibição da construção
de novos hospitais psiquiátricos; a implantação
de recursos assistenciais alternativos como hospital-dia, lares
protegidos, núcleos de atenção, etc., a
recuperação de pessoas cronificadas em serviços
extra-hospitalares; assim como a emergência psiquiátrica
funcionando em emergências de hospitais gerais.
No que
tange ao resgate da cidadania propõe retirar a internação
psiquiátrica como ato obrigatório do tratamento
psiquiátrico e inclui como direito do indivíduo acessar
seu prontuário médico permitindo a este o direito não
somente escolher o tipo de
tratamento e terapeuta como
também garantias legais contra internações
involuntárias.
O ano
de 2001 ocorre uma a ampliação e intensificação
do debate sobre a Reforma Psiquiátrica para o plano
legislativo, tendo-se em vista a mudança da legislação
psiquiátrica vigente assim, temos o que se considera como um
marco de extrema importância para todo esse processo da reforma
que foi a promulgação da lei 10.216 de 06/04/2001, que redireciona o modelo assistencial e garante os direitos aos portadores de transtornos mentais.
Tal
lei propõe a extinção progressiva dos manicômios
com a sua substituição por outros recursos
assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica
compulsória. Tal instrumento da Reforma Psiquiátrica
prevê assim, que a assistência seja centrada no
atendimento em instituições extra-hospitalares, que não
desvinculem o problematizado mental de seu meio social, e que seja
constituída de ações planejadas em direção
a uma desativação gradual das grandes estruturas
manicomiais existentes no país .
Acontece
em dezembro do mesmo ano a III Conferência Nacional de Saúde
Mental marcada por um momento de desenvolvimento de diversas
experiências de implementação de novos modelos de
atenção, publicação de portarias
ministeriais assim como, a difusão novas modalidades
assistenciais na tabela de financiamento .
Caracterizados
hospital e prisão nos possibilitam pensar as formas de
intervenção aos indesejáveis sociais
sejam eles de que natureza for contudo, existe se podemos assim dizer
uma outra categoria ou seja, excluído entre os excluídos
surge o louco infrator ou o infrator louco que suscitará um
tratamento diferenciado como veremos mais adiante.
Assim
no próximo item se pretende demonstrar como a categoria social
louco criminoso enseja, o nascimento no Brasil, em fins
do século XIX, todo um complexo aparelho
jurídico-institucional voltado quer para o tratamento médico,
quer para a contenção repressiva dos comportamentos
julgados anormais. (CARRARA, 1998)
BREVES
CONSIDERAÇÕES SOBRE MANICÔMO JUDICIÁRIO
A
instituição a qual se deu a experiência de
estágio é o Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico Henrique Roxo HR. Antes porém, se
faz conveniente abordar como foi constituída genericamente a
instituição Manicômio Judiciário
assim como, suas bases de fundação e sustentação.
Nos
itens anteriores pudemos constatar que a patologia mental e o desvio,
quase sempre associados, remetem a práticas e representações
elaboradas pelas sociedades e, que ao longo dos séculos dão
sentido a mecanismos históricos como a prisão e
o hospital - que condicionam a emergência de seu domínio.
O
consórcio elaborado entre Psiquiatria e Direito Penal
fundamentados por um discurso comum materializa-se em uma nova
disciplina que sustenta a fundação de um novo
estabelecimento, ou seja um espaço social designado ao louco
infrator.
Assim
foi por volta de 1896, a partir da fuga do interno Custódio
Alves Serrão do Hospício Nacional de Alienados, e
sucessivamente em 1920 com outra fuga de internos da mesma
instituição, se retomam as discussões sobre o
tema, reforçando a necessidade premente e inexorável de
se fundar uma instituição que fosse capaz de abrigar
não apenas os loucos criminosos como também os
criminosos loucos.
Criado
por decreto em 1921, no Rio de Janeiro, para receber e deter
os indivíduos classificados como loucos pela Medicina
Psiquiátrica e infratores pelo Direito Penal ,
o Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro foi a primeira
instituição do gênero fundada na América
Latina.
O
manicômio judiciário
como hospital, possui médicos e enfermeiros encarregados
de tratar os pacientes até a sua recuperação.
Para conter os internos mais violentos, aplicam-se medicamentos
psicotrópicos. Como prisão, o Manicômio, possui
guardas penitenciários que aplicam métodos mais
convencionais para manter a ordem dentro da
instituição. Constantemente presentes, lidam com o
cotidiano dos internos. (CARRARA, 1998. p. 17) |
Inicialmente
denominada Seção Lombroso do Hospício
dos Alienados, o manicômio judiciário ou hospital de
custódia, é uma instituição
médico/carcerária destinada a guarda/tratamento
psiquiátrico de indivíduos que cometeram ato delitivo
previsto em nosso código penal como crime e que, por terem
sido considerados inimputáveis , foram absolvidos da responsabilidade penal, pelo juiz de direito, e submetidos à medida de segurança.
Dito
de outra forma se, declarada a inimputabilidade pela justiça,
o agente não é condenado, e sim, absolvido, mas fica
sujeito à medida de segurança entendida como medidas
de prevenção e assistência social
daqueles que, sejam ou não penalmente responsáveis,
praticam ações previstas na lei como crime. .
Assim,
com periculosidade presumida por lei, os inimputáveis,
são inseridos no contexto criminal, tendo como prerrogativa
serem considerados, criminosos em potencial, ou seja,
podem a qualquer momento praticar ato criminoso.
Pode-se
inferir ao conceito da periculosidade a relação
estabelecida entre doença mental e criminalidade. Assim, a
figura jurídica instituída ao agente em questão,
tem como fulcro um conceito que pressupõe sua temibilidade ou
seja, sua probabilidade de tornar a praticar crimes.
Nos
diz Cohen (1996. p. 73) visto que, um doente mental, não
pode ser considerado legalmente como criminoso, mas por outro lado,
não se pode negar que foi ele um infrator da lei sendo até
considerado como legalmente perigoso ,
criou-se a figura jurídica da medida de segurança.
Cohen
(1996. p. 78) observa ainda que a periculosidade não
está vinculada ao ato em si, mas sim à falta de
compreensão do indivíduo que vai infringir uma
proibição legal ou à sua incapacidade de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Segundo
art. 96 do Código Penal as medidas de segurança podem
ser internação em hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico ou sujeição a tratamento
ambulatorial. Ambos por tempo indeterminado, perdurando enquanto não
for averiguada, mediante perícia médica, a cessação
de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a
três anos .
Ao
concluírem a medida de segurança, as pessoas internadas
em hospital de custódia, são submetidas a novo exame
por perito forense, para averiguação com vista a
cessação de periculosidade.
Ao
exame são anexados pareceres (laudos), elaborados por uma
Equipe Técnica Multidisciplinar e, são encaminhados ao
Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais. Não
obstante, antes mesmo dos exames, o juiz poderá prorrogar a
medida de segurança por mais de um ano.
A
conseqüente soltura (desinternação) só se
realiza com um responsável, que assume frente ao Juiz total
compromisso sobre os atos doravante praticados pelo preso. Deste
modo, a manutenção dos laços familiares é
crucial, pois é uma das vias possíveis de acesso à
liberdade
A
desinternação, será em caráter
condicional tendo a possibilidade de ser restabelecida a situação
anterior, se o agente, antes do decurso de um ano, praticar fato
indicativo de sua periculosidade.
No
Estado do Rio de Janeiro cabe responsabilidade de zelar pela atenção
à saúde daqueles que ser encontram em conflito com a
lei à Superintendência de Saúde da Secretária
de Estado de Direitos Humanos e Sistema Penitenciário do Rio
de Janeiro SEDHSP-RJ.
O
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
Henrique Roxo - HR - constitui-se uma unidade hospitalar da
SEDHSP-RJ e, destina-se à custodiar e
tratar pessoas do sexo masculino que cometeram delitos em
virtude de serem portadores de condutas antisociais, doença
mental, desenvolvimento mental incompleto, dependência química
sendo considerados de alta periculosidade.
Sua
população é oriunda de delegacias, presídios
e hospitais de várias regiões do Estado, internados por
determinação judicial para observação,
tratamento e exames de sanidade mental por peritos forenses.
(COSTA, [s.d.])
No que tange aos espaços
físicos, a instituição é dividida em dois
prédios, ambos com dois andares, com três pátios
externos, dois internos e um estacionamento.
O HR é
uma instituição de caráter fechado, destaca-se
por seus muros altos, que isolam aqueles que representam uma ameaça
à sociedade.
Um
grande portão de ferro, se constitui, a única via de
acesso ao interior da instituição tanto para pedestre,
quanto para veículos. Sendo constantemente vigiado por agentes
penitenciários que encarregados pelo controle de entradas e
saídas de todos que ali ingressam.
Adentrando
o HR existe um pátio, que funciona também como
estacionamento para veículos de funcionários. Nele
existem árvores e canteiros, os quais são mantidos
pelos internos. Cabe aqui a observação que o acesso é
exclusivo dos faxinas, moradores da Casa de
Transição e funcionários, sendo de acesso
restrito aos demais internos.
De
acordo com Goifman a idéia de limite se revela
fundamental para compreensão do espaço de vigilância
na prisão. Limita-se a conter e vigiar, o espaço de
circulação do preso. (1999. p. 72)
A
estes, é reservado o segundo pátio externo, que se
situa nos fundos da instituição, onde não existe
qualquer tipo de vegetação. O que nos dá a
impressão que as plantas se recusam a nascer em um ambiente
manicomial.
O
espaço físico destinado a internos apesar de serem
denominadas enfermaria as quais são coletivas,
compostas com camas em cimento armado, assemelham-se a celas,
já que na entrada existe um portão com grades, que é
trancado após às 20:00. São identificadas por
letras (A, B, ...) distribuídas em
três andares ligados por escadas, sendo, o andar térreo
destinado aos internos idosos e cronificados.
Existe
ainda as enfermarias especiais estas são
individuais e, ocupadas por novatos que permanecem ali
(no mínimo, sete dias) para observação de sua
conduta; em casos de desobediência as regras disciplinares da
segurança e, em situações de agitação
psicomotora do interno.
A
arquitetura do prédio onde estão localizadas
enfermarias oferece a sensação de se estar andando em
círculos, causando uma confusão mental, fazendo com que
se perca a noção espacial.
Atualmente
não encontramos instituições circulares, mas o
importante é identificar princípios similares de nítida
e assumida inspiração do projeto arquitetônico
panóptico projeto de prisão orientado a
funcionalidade que organiza unidades espaciais que permitem ver sem
parar e reconhecer imediatamente, onde a visibilidade torna-se uma
armadilha onde a visão se dá de forma
unilateral e a sensação de estar sendo vigiado é
constante. (GOIFMAN, 1999)
Nas
enfermarias, pode-se constatar que os internos reinventam
seus espaços de diversas formas. Uns, decoram com
objetos trazidos pelos familiares e amigos, outros guardam toda sorte
de pequenas coisas que lhes tragam algum sentido de individualidade.
Os internos tentam assim, marcar seu território impondo
limites visuais aos seus companheiros através ordenação
dos espaços.
As
condições de higiene são satisfatórias,
em relação a outras Unidades DESIPE. Cabe observar que
o sistema penitenciário não conta com recursos humanos
que ocupem tal função, cabendo assim, ao faxina ,
executar.
Identifico
que a instituição é marcada por ambigüidades
que vão desde a legislação
que a suporta até a identidade auto-atribuída aos
internos: as equipes técnicas os reconhecem como pacientes,
os responsáveis pela segurança da instituição
por presos. Os internos estão distribuídos
em equipes multidisciplinares que, prestam atendimentos sistemáticos
em consultórios e oficinas terapêuticas.
Contudo,
cabe aqui observar que nestes espaços não há
privacidade, já que as portas permanecem abertas e,
constantemente, acontecem interrupções seja por
enfermeiros, agentes e até mesmo outros internos que aguardam
atendimento. Entretanto, quando solicitado pelo interno e/ou família
pode ocorrer em ambiente reservado.
As
atividades terapêuticas desenvolvidas nesta unidade objetivam a
reinserção do interno a sociedade através de
oficinas, grupos, trabalhos intra/extra-muros, coral, entre outros.
Existe
por parte dos internos uma urgência com todas as questões
que lhes envolvem, especialmente no que tange a situação
familiar e jurídica. Este tipo de demanda é encaminhada
ao assessor jurídico do HR.
Alguns
internos demonstram indignação face a morosidade da
justiça, assim na tentativa de buscar solução
imediata para sua situação solicitam travessia
(transferência e em alguns casos com sucesso) para outras
unidades do DESIPE.
O ESTÁGIO NO HR: LIMITES E POSSIBILIDADES
A
partir das abordagens anteriores pudemos entender como foi
constituída e legitimada a instituição
Manicômio Judiciário. Identificamos suas
bases de fundação e sustentação
percebendo que a periculosidade é o conceito que justifica a
manutenção de pessoas nesse espaço
institucional. Contudo, em alguns casos, mesmo após a
verificação do encerramento do estado perigoso algumas
pessoas lá permanecem pela ausência de suporte familiar.
Com o objetivo de intervir nessa questão
participei enquanto estagiária de Serviço Social (
março 2001) na construção de um projeto ainda em
sua fase inicial que além da Assistente Social contou com a
colaboração informal e assistemática da
Terapeuta Ocupacional.
O Projeto de Investigação Social,
uma das frentes de trabalho implantada pelo Serviço Social no
HR, contempla os presos com laudo de cessação de
periculosidade e, que não contam com nenhuma visita de
familiar desde que ingressaram na unidade, muitos inclusive com
décadas de isolamento.
Distribuição por tempo de internação
Anos
|
N.º
|
até 20
|
7
|
21 30
|
5
|
31 40
|
4
|
TOTAL
|
16
|
Em
abril e maio de 2001 foi estabelecida uma rotina de levantamento de
internos na situação descrita e uma metodologia de
trabalho.
Distribuição por faixa
etária (em anos):
Faixa Etária
|
N.º
|
até 50
|
2
|
51-60
|
7
|
61-70
|
5
|
mais de 70
|
2
|
TOTAL
|
16
|
Minhas
atividades no HR se constituíram em observação
participante das atividades desenvolvidas pelos técnicos, atendimentos realizados pela assistente social (supervisora), reuniões da
equipe técnica multiprofissional ,
além de leitura de aparatos legais: LEP, Lei Reforma
Psiquiátrica, entre outros.
Enquanto
estagiária do HR - a partir de um treinamento adequado, por
parte do supervisor de campo - pude contribuir no processo de
sistematização dos procedimentos de abordagem aos
internos de forma a resgatar sua memória isto é, sua
história de vida anterior ao delito com a perspectiva de
envolvê-lo no projeto.
Após
essa etapa, pude acompanhar/realizar, sob supervisão
constante, um acompanhamento sistemático dos internos, visando
levantar dados e informações referentes a sua história
de vida, retornando com essas informações para o
acompanhamento terapêutico multiprofissional.
A
investigação utilizou procedimentos que envolvem além
do resgate da memória dos presos, também o rastreamento
de sua vida anterior, procurando-se localizar sua entrada no sistema,
os estabelecimentos pelos quais passou e o processo penal que
originou a medida de segurança buscando assim, recuperar seus
documentos de identificação: registro de nascimento,
etc.
Com
a localização das famílias, espera-se viabilizar
sua integração nos projetos existentes, que atuam no
sentido de criar formas de aproximação da família
ao interno garantindo sua vida extra-muros.
Considero
tal projeto de suma importância pois, pretende efetivamente
resgatar uma dimensão fundamental dos direitos humanos dos
doentes mentais, na prática condenados à prisão
perpétua quando sem apoio familiar.
Contudo
não basta boa vontade para que um projeto se
efetive, o assistente social, apesar de ter relativa autonomia na
efetivação de seu trabalho necessita de condições
materiais que são fornecidas pela instituição no
qual está inserido. De acordo com Iamamoto (1999 p.63) ela
organiza o processo de trabalho do qual ele participa.
Uma
das dificuldades encontradas neste sentido, referem-se diretamente
aos limites da sua efetivação prática, como
exemplo cito a necessidade de visitas institucionais impedidas devido
a ausência de transporte.
Outra
questão que minha avaliação contribuiu para a
segmentação/fragilização do projeto, e
que contribuiu para o andamento relativamente lento do mesmo, foi o
fato de que não existir, na estrutura do DESIPE ,
um sistema de informações integrado ou seja, uma
relação interinstitucional que possibilite buscar
informações sobre a população carcerária
de forma geral.
Na
prática cotidiana no hospital de custódia HR
deparamo-nos com diversas pessoas em situação de
abandono provocando nesse sentido inquietações que
permearam desde o princípio nossa atividade principalmente o
contraditório fato de que no Brasil, apesar de não
contemplar em sua legislação a prisão
perpétua, existem, milhares de pessoas, que estão
condenadas a viverem até o fim de suas vidas em manicômios
judiciários.
Contudo
a ausência de apoio familiar se constitui apenas um aspecto que
contribui para a prisão perpétua a que
muitos são submetidos. Há outras situações
em que o poder judiciário se sobrepõe ao terapêutico
desconsiderando-o, desqualificando-o: como exemplo destaco uma
situação, verídica e absurda, vivenciada na
instituição onde, apesar do interno contar com apoio
sócio-econômico (o que é raro) a desinternação
foi indeferida pela juíza pois, o interno não viveria
com este familiar e sim só, em seu próprio imóvel.
Identifico
que existe uma lógica perversa e cruel que impera no sistema
judiciário em geral, em particular o penitenciário.
Entendo que há uma indução a mentira, a omissão
por parte dos familiares já que, neste caso em particular a
verdade não favoreceu ao interno. Percebo que há
uma urgência em se rever a legislação que trata
de doentes mentais em conflito com a lei.
Nos
dá a impressão de que pessoas que cometeram ato
ilícito, tipificadas no código penal como crime, em
particular aquelas consideradas pela justiça como
inimputáveis, perderam qualquer chance de recuperação
da sua autonomia.
Um
estudo sobre o Perfil do Louco Infrator sob orientação
do Dr. Pedro Gabriel Delgado constata que os índices de
reincidência são muito baixos se comparados aos presos
condenados.
no
acompanhamento do percurso institucional dos 165 pacientes - 147
homens e 18 mulheres (...) em outubro de 1996. (...) 78 foram
desinternados, 5 foram colocados em liberdade através de
alvará e 4 foram transferidos para estabelecimento não
prisional, perfazendo um total de 52,72 % de desinternação.
Destes apenas 16 ou 18,39 % foram reinternados, sendo que somente 7
ou 8,04 % por novos delitos e os outros 9 porque o apoio
sócio-familiar que possibilitou a desinternação
não se manteve (Kolker, 2001) |
Nos
casos onde os internos contam com um suporte familiar se faz premente
ao Serviço Social estabelecer uma relação
estreita e constante. Para isso realiza reuniões previamente
programadas com o objetivo de manutenção de tal vínculo
que, na maioria dos casos são tão frágeis e
efêmeros que não se constituem uma unidade social de
pertencimento.
Do
total de 16 que compõe o universo de análise 11 se
encontram em total estado de abandono.
Os 5 restantes conta com algum tipo de suporte familiar
- além laudo de cessação, indicação
favorável dos técnicos e concessão de algum tipo
de benefício por parte do juiz - à recusa por parte dos
familiares em recebê-los são justificadas em três
(3) casos pelos traumas que estes causaram na família visto
que os crimes tiveram como vítimas consangüíneos.
Um destes inclusive face o rigor de crueldade utilizado pelo autor
quando cogitada a hipótese de uma visita (deste)
ao lar surgem por parte da comunidade local ameaças de
linchamento visto a comoção que o crime causou.
Em dois (2) casos o motivo apontado é a
insuficiência de recursos financeiros necessária para
suprir necessidades básicas para regresso do interno ao lar.
Dos
11 (onze) em total estado de abandono, dois (2) já viviam em
completa situação de mendicância, antes do crime
(ou tentativa ) tendo como vítima amigos de
infortúnio.
Considero
o grupo com familiares uma das mais significativas frentes de
trabalho desenvolvidas na instituição. Se constitui um
espaço de reflexão onde a família pode
expressar-se livremente expondo questões não apenas
relativas aos internos como também, as que vivenciam no seu
dia a dia.
Apesar
de diferentes trajetórias foi possível identificar nos
relatos questões que são comuns a todos os familiares
como por exemplo, o preconceito que enfrentam não apenas por
parte da sociedade mas também, de outros membros da família.
Ou seja, a família em certa medida se encontra presa
ao manicômio necessitando assim de acompanhamento constante.
Percebo
muita resistência não apenas da sociedade que teme os
marginalizados e os loucos, mas também entre alguns
profissionais. Assim, o Manicômio Judiciário se
constitui um grande desafio para os assistentes sociais pois cabe a
este desconstruir representações negativas que envolvem
o tema em questão ou seja, uma visão maniqueísta
onde, de um lado, estariam bons elementos e do outro, os maus.
Acredito
que papel do Serviço Social no HR é de suma importância
pois a sua dimensão sócio-educativa presta orientações
relevantes no sentido de permitir a fruição da
cidadania dessas pessoas que ali se encontram
Identifico
claramente no HR uma proposta terapêutica que concorre com uma
estrutura manicomial tradicional onde muitos aderem ou seja, tentam
se adaptar a lógica da cadeia para sobreviver,. Assim, se
estabelece um conflito pois se por um lado se visa padronizar,
controlar, por outro, há uma tentativa de amenizar o processo
de massificação com uma nova proposta.
A
reforma psiquiátrica tem preconizado no seu bojo além
da reorientação do modelo assistencial, uma série
de recursos institucionais tais como: hospital-dia, pensões
protegidas, entre outros.
Um
questionamento se faz premente até que ponto, e em que medida,
tais conquistas preconizadas na reforma psiquiátrica, tem sido
garantidas aos egressos do manicômio judiciário?
A
questão das medidas de segurança e dos manicômios
judiciários vem sendo um tema geralmente pouco abordado tanto
no âmbito jurídico quanto nos fóruns de saúde
mental.
De
acordo com Kolker ,
excluídos dos excluídos, o louco infrator segue
sofrendo o peso da superposição dos enquadres jurídico
e psiquiátrico, mas alijado tanto da reforma pela qual vem
passando a assistência psiquiátrica, quanto dos avanços
da legislação penal.
E finalmente, nos questionamos em que medida, e até que ponto,
sobre até que ponto o Estado, responsável pela custódia
dessas pessoas, pode contribuir no sentido de evitar a prisão
perpétua a que muitos estão submetidos.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
AMARANTE, Paulo.
(Org.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma
psiquiátrica no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.
AUGUSTINIS, Emílio
José de, COHEN, Claudio. É possível a autonomia
do sentenciado no Sistema Penitenciário? [s.d]. Disponível
em: http://www.cfm.org.br/revista/bio1v6/possauto.htm.
capturado em: 11/06/2002.
CALDEIRA, Tereza
Pires do Rio Caldeira. Direitos Humanos ou privilégios
dos bandidos: desventuras da democratização
brasileira. Novos Estudos CEBRAP, n. 30, jul. 1991. pp. 162-171.
CAMARGO, Maria
Soares de. A prisão. SãoPaulo: Cortez, 1990. (Serviço
Social & Sociedade, 33). pp.132-142
CARRARA, Sérgio.
Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário
na passagem do século. Rio de Janeiro: EdUerj, 1998.
CARRETEIRO, Rosane
Oliveira. A loucura do manicômio judiciário: a prisão
como terapia, o crime como sintoma, o perigo como verdade. 1998,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1998. Dissertação
de Mestrado em Antropologia.
CELÉM,
Rosângela. As relações sociais em uma prisão
do tipo semi-aberta: uma experiência em serviço social.
São Paulo: Cortez, 1983.
COHEN, C. FERRAZ,
F.C. SEGRE, M. Saúde mental, crime e justiça. São
Paulo: Edusp, 1996.
COSTA, Dr. José
Carlos Pascotto. Hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico Henrique Roxo - Projeto Terapêutico
Institucional. Niterói, RJ: [s.n.], [s.d].
DAHMER PEREIRA,
Tânia Maria. Segurança e disciplina, 1992. (mimeo.)
DELGADO, Pedro
Gabriel. As razões da tutela psiquiatria, justiça
e cidadania do louco no Brasil. Rio de Janeiro: Te Corá, 1992.
ESCOREL, Sarah.
Conceituando e contextualizando a exclusão social. Brasília,
D.F.: CODEPLAN - Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central,
1998. p.13-29. (Temas Codeplan, 2: Políticas Públicas:
exclusão social.)
FOUCAULT, Michel.
Vigiar e Punir. Petrópolis,RJ: Vozes, 1977.
FOUCAULT, Michel,
(Org.) História da loucura na idade clássica. São
Paulo: Perspectiva, 1978.
FREIXO, M, Pena de
morte social. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 05/07/2001. p.11
GOFFMAN, Erving.
Manicômios, prisões e conventos. São Paulo.
Perpectiva, 1974.
GOIFMAN, Kiko. Das
duras às máquinas de olhar a
violência e a vigilância na prisão. São
Paulo em Perspectiva. v. 13, n. 3, jul-set. 1999. pp. 67-75
HUMAN RIGHTS WATCH.
O Brasil atrás das grades. Rio de Janeiro: Human Rights Watch,
1998
KOLKER, Tânia.
Seminário A segregação dos excluídos
pela via Institucional: prisões, manicômios e
internatos. 2001, Trabalhos Apresentados... Rio de Janeiro:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2001. (mimeo.). [s.n.],
MACHADO, Roberto. et
al. Da(n)ação da norma: medicina social e constituição
da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
MACIEL, Laurinda
Rosa. A loucura encarcerada: um estudo sobre a criação
do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro (1896-1927).
1999. Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1999.
Dissertação de Mestrado em História Social.
TUNDIS, Silvério
Almeida; COSTA, Nilson do Rosário. Cidadania, classes
populares e doença mental. In: TUNDIS, Silvério
Almeida; COSTA, Nilson do Rosário
(Orgs.) Cidadania e
loucura: políticas de saúde mental no Brasil.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, pp. 9-14. (Saúde e
Realidade Brasileira).
RESENDE, Heitor.
Política de saúde mental no Brasil: uma visão
histórica. In: TUNDIS, Silvério Almeida; COSTA, Nilson
do Rosário
(Orgs.) Cidadania e loucura: políticas
de saúde mental no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994,
pp. 15-74. (Saúde e Realidade Brasileira).
WACQUANT, L. As
prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
WACQUANT, L. Punir
os pobres: a nova gestão da miséria no Estados Unidos.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. (Pensamento Criminológico).
ZAFFARONI, Eugênio.
A criminologia como instrumento de intervenção na
realidade. Revista da Escola de Serviço Penitenciário
do Rio Grande do Sul. Secretaria de Justiça, 1990.
NOTAS