"A
pura raça anglo-americana está destinada a estender-se
por todo o mundo com a força de um tufão. A raça
hispano-mourisca será abatida. "
New
Orleans Creole Courier, 27.01.1855
Hoje,
a humanidade tem em suas mãos a oportunidade para um grande
triunfo da liberdade sobre todos os seus antigos adversários.
Os Estados Unidos aceitam de bom grado sua responsabilidade de
liderar esta grande missão.
George W. Bush,
11.09.2002 |
Nos EUA não
há lugar para perdedores. Eles não puderam viver para
contar a história. Somente uma raça de heróis
poderia sobreviver a todas as atribulações da epopéia
colonizadora. A travessia do Atlântico foi um verdadeiro êxodo
para desenraizados e perseguidos. Nos grandes navios, o tifo, a
tuberculose e a fome não davam aos fracos o direito de
prosseguir. A terra prometida estava reservada aos fortes. Os
refugiados puritanos, os primeiros a chegar, fizeram da expulsão
um motivo de engrandecimento. A mania de grandeza não pode
viver separada da mania de perseguição: Se Deus é
por nós, quem será contra nós?. Apesar
das múltiplas influências recebidas posteriormente, a
herança calvinista-maniqueísta teve uma contribuição
decisiva na formação da identidade do estadunidense e
de seu senso comum.
Os
percalços e desafios da "colonização
heróica" estavam apenas começando. O lar só
se tornaria um doce lar, se dele fossem extraídas todas as
impurezas. Tudo o que não servisse à
auto-afirmação, tudo que se interpusesse no caminho da
expansão - leia-se, salvação - seria designado
como maligno. Aqueles que se consideravam perfeitos e eleitos por
Deus concluíam que o mal só poderia ser o
diferente, o distinto, o outro.
A
noção de supremacia e de superioridade foi construída
no processo de demonização dos índios,
espanhóis, mexicanos, negros, alemães, japoneses,
soviéticos, sérvios, latinos, islâmicos, ou seja,
de todos os não americanizáveis . Procurando manter
intacta sua essência, esta micro-sociedade européia
transplantada na América, resvalou para o integrismo
religioso-cultural e para o racismo mais sórdido. Os piores
fundamentalismos nasceram na Pátria da liberdade.
Deus
é norte-americano?
Deus
não morreu como disse Nietzsche, foi sequestrado pelo Império
norte-americano. Os guardiões do cativeiro têm em suas
mãos um mandato exclusivo para administrar a Criação
e todas as suas criaturas. Até mesmo o paraíso foi
demarcado e privatizado: " Deus escolheu a América
para que aqui se construísse a sede do paraíso
terrestre, por isso, a causa da América será sempre
justa e nada de mal jamais lhe será imputado. Os colonos são
os verdadeiros herdeiros do povo eleito, pois preservam a santa fé.
Nossa missão é liderar os exércitos de luz em
direção aos futuros milênios."(pregações
puritanas, New Jersey, 1660)
A
predestinação dos EUA deveria ser a somatória da
predestinação de cada cidadão. Este discurso
salvacionista foi muito mais determinante que qualquer referência
formal à cidadania ou à lei. Sob o impulso dessa
volúpia vieram a independência, a marcha para o oeste, a
guerra civil, o grande mercado e os grandes monopólios. A
economia norte-americana passou a ser controlada por trustes
industriais em associação com os grandes bancos. Era
chegada a hora de iniciar a conquista do mundo. O capital monopolista
podia se esconder por detrás do arquétipo de uma nação
de colonos livres e unidos por valores morais comuns. A expansão
das grandes corporações, tendo por suporte as belicosas
forças armadas norte-americanas, seria vista como a expansão
de um ideário e de um modo de vida superior. O destino
manifesto dos EUA revela o paradoxo de um Império que se
formou e se nutriu no seio de uma nação democrática.
O Império proclama: O mundo sou eu
O
imperialismo norte-americano, mais que qualquer outro, invocou para
si uma missão civilizatória e messiânica. Os
sucessivos Presidentes dos EUA não fizeram outra coisa senão
universalizar os mais particulares interesses. Seus nomes estão
inscritos na história do expansionismo ianque: Corolário
Polk, Corolário Roosevelt, Doutrina Monroe, Doutrina Truman,
Doutrina da Boa Parceria de Eisenhower e Doutrina das Novas
Fronteiras de Kennedy. George Bush (o pai) também deixou sua
contribuição quando lançou em 1990 o programa
Iniciativa para as Américas, a demarcação
da base territorial e econômica a partir da qual se projetaria
o poder dos EUA sobre o mundo. No ano seguinte, com o fim da Guerra
Fria e da URSS, criaram-se condições objetivas para o
estabelecimento de uma ordem mundial polarizada exclusivamente pelos
EUA. Faltavam, contudo, justificativas políticas e motivos
morais.
George
W. Bush, (o herdeiro) recebeu este prêmio dez anos depois. O
terrorismo internacional, o novo inimigo, clarificou o
papel dos Estados Unidos no mundo, revelando sua verdadeira vocação.
Elaborada pelas aves de rapina do Complexo Industrial-Militar, a
Doutrina Bush não peca por eufemismos: Na grande
tragédia, também vimos grandes oportunidades. Nós
temos que ter a sabedoria e a coragem para aproveitar estas
oportunidades. A maior oportunidade dos Estados Unidos é a de
criar um equilíbrio no poder mundial que favoreça a
liberdade humana. Nós usaremos nossa posição sem
paralelo de força e influência para construir um clima
de ordem e abertura internacional.
Os
capuzes brancos não são mais necessários. De
cara limpa, estão assumindo que irão se valer de sua
confortável posição de superpotência, sem
paralelo de força e influência para impor uma
nova Pax Romana ao mundo. Desse modo, os senhores da guerra e
das corporações só podem agradecer e torcer para
que venham novas tragédias e, embutidas nelas, as tais
grandes oportunidades. As elites globais, portanto, devem
saudar calorosamente o caos que inaugura, concomitantemente, uma nova
e definitiva ordem internacional. Somente a guerra perpétua
torna imperativa a paz perpétua.
Quanto
pior, melhor?
Soam
as cornetas apocalípticas anunciando a chegada da cavalaria.
Quanto maior a destruição, maior a criação.
Quanto mais enfraquecidas estiverem as outras nações,
mais fortes estarão os EUA. Quanto mais desmoralizadas as
instituições internacionais, mais legítimo o
unilateralismo norte-americano. Quanto mais presente for o
terrorismo, mais onipresente será o Império
anti-terror.
Preparam
o pior para, em seguida, preparar o melhor. As novas Cassandras
anunciam as mais terríveis desgraças que elas próprias
se esforçam por executar. Quando as tragédias se
transformam em tábua de salvação, que ninguém
duvide da capacidade daqueles que se determinaram a salvar os EUA, de
planejá-las com precisão e maestria.