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Edición N° 25 - otoņo 2002

Mercosul: a crônica de uma morte premeditada

Por:
Luis Fernando Novoa Garzon
*
(Datos sobre el autor)


Esperando o Norte
Sabe-se que o messianismo político foi um ingrediente decisivo nas vitórias eleitorais de Carlos Menem, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso em contextos de descontrole inflacionário, demandas sociais reprimidas e expectativas populares super-dimensionadas.
Mas poucos perceberam que o messianismo, além de eficiente recurso eleitoral, tornou-se também uma variável-chave na formulação das políticas econômicas do Brasil e da Argentina. O fundamentalismo de mercado obteve a proeza de converter o planejamento econômico em sebastianismo, de sofismar o debate estratégico em vigílias por milagres. As elites econômicas locais e sua tecnoburocracia conexa confiaram a terceiros suas responsabilidades políticas, acreditando que receberiam três graças:
  1. a moeda se estabilizaria ancorada no mercado de capitais de curto prazo;

  2. os investimentos se avolumariam na medida em que fossem maiores as facilidades de deslocamento do capital estrangeiro e maiores as oportunidades de negócios a ele oferecidas;

  3. a tecnologia seria transferida automaticamente a partir das relações de parceria no interior das redes transnacionais atraídas para a região.

Esses fundamentos fariam algum sentido se as promessas da política econômica tivessem sido cumpridas com o devido respeito.
A devoção farisaica escondia, no fundo, a ausência de projeto estratégico e de consenso entre as elites políticas.
Esse projeto mínimo compreenderia: racionalização da máquina estatal, política de arrecadação e de ajuste fiscal, políticas de estímulos à exportação de produtos com maior valor agregado e políticas industriais e agrícolas conglomeradoras e inovacionais.

Esperando a morte

Os Governos de Brasil e Argentina, destituídos desses instrumentos de intervenção, tiveram que apelar para o bezerro de ouro do endividamento interno e externo, através da venda de títulos de curto prazo, remunerados com juros crescentes.
Esse mecanismo de financiamento não só comprometeu o equilíbrio fiscal como estrangulou ainda mais o já combalido setor produtivo de ambos, com impacto extremamente negativo nas respectivas balanças comerciais.
Economias assim tão vulnerabilizadas não teriam como se imunizar frente aos efeitos de qualquer crise internacional. Despidos de todas as proteções, o que poderia livrá-los do mal?

A crise asiática em 1997 e depois a russa em 1998, produziram uma formidável fuga de capitais no Brasil acarretando a desvalorização do real em 1999 e a necessidade de um novo acordo com o FMI. A partir desse momento, com a impossibilidade de continuar realizando superávits comerciais junto ao Brasil e com o fim do estoque de empresas privatizáveis, a Argentina teve que enfrentar o seu martírio.
A recessão norte-americana, reconhecida somente em 2001, e seu efeito imediato de reconcentração de capitais teve um impacto catastrófico sobre a Argentina , que insistiu em manter a mesma política cambial e monetária. As bolsas de Buenos Aires e de São Paulo e o mercado de câmbio na região sinalizam: os investimentos estrangeiros estão de partida.

Países desmantelados e falidos não tem nenhum poder de negociação internacional. Brasil e Argentina só podem então esperar, esperar sua sorte, esperar incansavelmente Godot e a globalização. Mas quem chega, no final, é Pozot, o FMI com seu cordão de países-escravos.
A nobre missão: assegurar a “sustentabilidade” das duas economias, ou seja, garantir a continuidade de pagamento dos extorsivos contratos de dívida. As dezenas de bilhões de dólares pagas como serviço de dívida externa por esses países cumprem não apenas o papel de lastreamento da orgia especulativa dos bancos credores internacionais. Essa duradoura hemorragia financeira serve antes de tudo para impedir o surgimento de pólos econômicos rivais na área de influência norte-americana.

Existe um sub-reptício papel geopolítico do FMI: impor camisas-de-força ao

países devedores ou blocos de países que adotem uma dinâmica centrífuga ao Império. E há o explícito papel econômico da Área de Livre Comércio das Américas: rearticular os setores econômicos dinâmicos sobrantes dos países latino-americanos em uma meta-rede hegemonizada pelos oligopólios norte-americanos.

No desespero de esperar demais

Como chegamos a esse quadro de absoluta subordinação? A história nem sempre foi assim. Brasil e Argentina, no século XX, oscilaram em contextos de maior alinhamento ou de maior autonomização frente aos EUA. A redemocratização dos dois países na década de 80, em um quadro internacional crescentemente competitivo, levou-os aos trilhos da cooperação. O objetivo de se criar um mercado comum no sul do continente americano espelhava uma percepção comum das limitações de ambos países, se isolados, e do imenso potencial que teriam, se integrados, somando-se ainda o Paraguai e o Uruguai.

O Mercosul, inspirado no processo de integração europeu, visava preencher as velhas lacunas de nossas economias: pequena escala de produção, mercado interno pífio, ausência de poupança interna e de geração endógena de tecnologia. Ao mesmo tempo, assumia para si uma nova missão, inescapável na nova ambiência internacional : a especialização de setores e regiões tanto para atrair investimentos estrangeiros diretos como para projetá-las como pólos exportadores.
A complementaridade econômica regional e a criação de um mercado interno massivo só se viabilizariam com uma adequada conexão com o mercado mundial, incorporando-se vantajosamente aos fluxos de capitais e de tecnologias.

O conceito de “protecionismo ampliado” que vigorou nos processos integracionistas latino-americanos do passado tinha de ser superado por políticas regionais de inserção ativa. Esse é o sentido primeiro da teoria do regionalismo aberto. Contudo, essa teoria foi traduzida em políticas externas letárgicas que pressupunham uma forte automaticidade entre as medidas de abertura e desregulamentação por um lado e o crescimento econômico ótimo, por outro. O Mercosul foi encarado apenas como um estágio intermediário para uma automática e desejada “integração global”.

Essa interpretação , apesar de não assumida oficialmente, foi a que prevaleceu concretamente na administração do processo negociador do Mercosul na última década. Em direção contrária ao seu destino(um Mercado Comum), o Mercosul se limitou a realizar uma desgravação parcial das tarifas de comércio entre os países-membros sem a definição de uma política comercial comum, ou seja de um Tarifa Externa Comum minimamente coerente, e também sem políticas de qualificação e competitividade da economia regional. O bloco, com tais traços de desarticulação, sequer pode ter uma identidade conceitual. Quiçá podemos defini-lo, com desalento, como algo entre uma zona de livre comércio incompleta e uma união alfandegária imperfeita.

Esperando o dia de esperar ninguém

Esse projeto de escape e de auto-descoberta ao mesmo tempo, foi deliberadamente sabotado, por tecnocracias apátridas cuja tarefa principal sempre foi o desmonte e o sucateamento de seus países. Elas dão notícia do falecimento do Mercado Comum do Sul (1991-2001). A Causa mortis: eutanásia induzida. Uma pequena e possível biografia: era uma vez um Mercado Comum do Sul que proporcionaria a modelagem de teias econômicas regionais fincadas na solidariedade e na democracia real.

Agora, em seu velório, não iremos esquecer que o Mercosul poderia ter resgatado dezenas de milhões de excluídos dos nossos países. Confessaremos que um dia sonhamos com um bloco que uniria crescimento/progresso técnico com bem-estar coletivo/geração de oportunidades de vida para todos. Lamentaremos as suas enfermidades crônicas, estimuladas pela negligência e pela sabotagem daqueles que deveriam zelar por ele. Com pesar choraremos seu malfadado destino : ficar a mercê de mãos assassinas.

Pode-se prender, cercar e isolar pessoas e povos mas quem pode suprimir o desejo de derrubar todos os muros erguidos pela grande “mão invisível”? O projeto cooperativo e internacionalista continuará vivo e pulsará no coração da América do Sul. O Mercosul morreu? Viva o Mercosul!



* Datos sobre el autor:
* Luis Fernando Novoa Garzon l.novoa@uol.com.br
Sociólogo, professor universitário e membro do ATTAC

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